sábado, 20 de abril de 2013

Das deficiências do corpo

Das deficiências do corpo

     O tempo é coisa engraçada: às vezes age em nosso favor. Mas esqueçamo-lo por ora. Há dias quero escrever sobre esse sentimento de autodestruição que me aflige: o mal-estar advindo de um corpo físico, o corpo humano. Logo, o meu corpo também. Antes, deixo claro que aqui, neste espaço, não preciso ser "bondoso", muito menos medir palavras. O pensamento aqui é cru. Ok, vamos. O corpo humano é uma caixa de mal-estares, uma tremenda bomba-relógio cujo tempo restante ninguém vê. Uma observação: falo do corpo humano porque, em geral, quem o possui goza de uma mente sã, e logo, da razão. Por isso não cito aqui os demais animais: estes sentem dores, mas não podem pensar sobre elas. Esse privilégio é nosso: os idiotas que pensam estar sobre todas as coisas.

Mente sã num corpo não tão são

     Pois então, parto aqui do ponto de vista cartesiano: nós, seres humanos, somos duais; o espírito é a primeira propriedade e o corpo, a segunda. Acima do corpo há a razão; que mesmo disputando com tantos instintos ainda é capaz de dar a palavra final. Porém, essa palavra final não é dada sem dificuldades. Até que o pensamento "suba" a essa faculdade supra-sensorial, ele percorre um caminho tortuoso: as mazelas físicas. Dores, deficiências e doenças são obstáculos para um veredicto racional: dificilmente alguém sofrendo fortes dores emitirá um discurso racional, e isso é natural. Natural porque também somos compostos da segunda propriedade, o corpo. Carregamos esse peso limitador, que inclusive media uma percepção talvez não tão necessária "estímulo recebido - reação do corpo - síntese racionalizada". O corpo é "bom" porque não o escolhemos, e nem conhecemos algo melhor. Um corpo são não é garantia de uma mente sã; imagine então um corpo enfermo.

Da bomba-relógio

     Como em uma relação dialética, nascemos com a semente da nossa própria destruição. O corpo é uma instituição fadada ao fracasso: talvez a minha única certeza aqui. Um recém-nascido desde já precisa vestir-se de precauções para sobreviver neste mundo - apenas para continuar lutando na tentativa de manter esta existência. Com o crescimento desse ser humano, crescem também os gérmens das enfermidades, as doenças capazes de acabar com a vida (diabetes, hipertensão e tantas outras que nem imagino). Alguém aí pode dizer que há maneiras tanto preventivas quanto de tratamento para estas mazelas. Mas se temos de nos prevenir não é isto já uma prova da mediocridade do corpo?

Angústia

     Somos impotentes quanto a esses fatores. Buscamos sempre uma qualidade de vida (utópica), mas essa melhora é sempre temporária. O que nos resta é a angústia de sabermos as nossas limitações (diferente do seu cão, por exemplo) e talvez, para alguns, buscar uma tentativa de superação.

*** Anima vincit corporem ***

20/04/2013. Nicolas Peixoto.


sábado, 13 de abril de 2013

O vício mórbido

O vício mórbido

     Tenho um vício mórbido, mórbido porque é de morte mesmo. Vícios fazem mal, este o faz em dobro: sou viciado em pensar na minha morte. Em vez de viver e sorrir, aproveitar o meu tempo fazendo algo bom, eu o perco com sonhos improdutivos com a morte. Se não tenho muito o que fazer, meus olhos focam o nada, e lá estou eu dançando com Ela. Cada vez é uma música diferente, salvo as minhas favoritas: gosto de repeti-las. Quando estou no ônibus, penso "será que vai bater?" e assim sofro o acidente; morri. Atravessando uma rua: "e se algum carro vier na contramão?"; morri. Em um assalto: "será que o cara vai atirar em mim?"; assim morro também. Quando viajei de avião, uma vez no céu,  temi a iminente queda; iminente na minha imaginação, pois não caímos. Não queria dizer isso, mas acho que senti uma ponta de desapontamento.
     Bem, mas que fique claro que não imagino isso pela tragédia somente, não não. Na verdade, tenho um sonho maior: morrer em prol do próximo. Juro que é verdade. Penso que poderia salvar uma criança de um atropelamento, ou uma mulher dum assalto, ou protegendo alguém com meus braços. Tantas maneiras, um só fechamento: eu morto, a pessoa grata com a ação daquele desconhecido; virei herói. Alguém aí poderia dizer que é egoísmo meu, mas terei de discordar. Já que todo mundo um dia morre, por que não posso ao menos escolher de que forma morrerei?
     Confesso que tenho um grande medo: o de ter uma morte inútil; uma morte sem sal. Por exemplo, ser atropelado por não esperar o sinal fechar, ou reagir a um assalto cujo alvo sou eu apenas. Mas o que mais temo é o desejo de muitos: morrer dormindo. Mas que tragédia! Morrer sem prelúdio, sem emoção, simplesmente parar de funcionar. Não quero isso para mim!
     Agora, não sou tão fã de mortes lentas, com muitas dores, mas há modalidades no mínimo interessantes. Quer exemplos? Bem, ficar internado, no "morre-não-morre" (mas que resultará de fato n'Ela!). As pessoas te visitando, o som dos aparelhos, a comoção, a expectativa... Por falar em expectativa, eu tenho gastrite, disseram-me que se eu não me cuidar...
     Minha psicóloga me chama de pessimista. De novo, discordo! A morte é a coroação da vida, então valorizando a minha morte, faço valer toda a minha existência! É isso! A maluca não enxerga. Já está meio velha, aposto que morrerá dormindo, coitada. Nem ela, nem minha família, nem meus amigos gostam de conversar comigo sobre morte; "você ainda é jovem, cara!" eles dizem, ao que respondo "e uma bala perdida? E um incêndio, ou afogamento?". Depois, ninguém mais fala nada. Sou obrigado a escrever apenas. Escrevo no papel, que é uma árvore morta!
     Falei sobre afogamento, lembrei-me do mar. Quando vou à praia, costumo ficar na beirada, pois não sei nadar. Fico lá durante alguns minutos iniciais, e logo estou eu flertando com a morte. A praia tem salva-vidas; eu não ficaria esquecido.
     Eu não penso só na minha morte: também penso em mim morto. O sepultamento seria um barato: a chuva, o céu nublado, os familiares (nem todos gostam assim de mim, mas iriam pela formalidade), os amigos próximos... Pedi ao meu irmão que colocasse determinada música, para dar aquele tom épico ao meu funeral. E é claro, gostaria de assistir a este, ver quem chora chorando e quem chora fingindo. Ver o remorso de uns, a compaixão de outros e o agradecimento estampado nos rostos dos mais íntimos... Hmmm... Melhor nem pensar!
     O mais interessante é que há quem nem imagine que me sinto assim, atraído por Ela. Por trás do "bom dia" e do sorriso, há um "pode ser meu último...!". Não sou epicurista, mas tento aproveitar o meu presente do meu jeito: tiro o carpe diem, coloco o laudate mortem - esse é o mote da minha filosofia; pois só podemos louvar a morte em vida.
     Enquanto desenvolvia a minha filosofia - laudate mortem! - fui acometido por algo mais mortal que a própria morte: o amor. Amei uma menina, desejei-a mais que a morte; até que ela se mostrou uma traidora, apunhalando o meu coração, mas conservando-me vivo, para sofrer mais. E eis que ainda sofro, e esse sofrimento rouba-me tempo de vida. Mais uma vez a minha amiga me resgata: "quero ver a cara dela quando eu morrer, em breve!".
     Gosto de sentir minha respiração; vai e volta. Olho os pássaros, eles não sabem do destino deles, acho isso muito triste. Por isso, meus amigos, não se enganem, eu amo a vida. Amo a minha vida, pois só morre quem ainda vive. Ponto.
     Laudate mortem!

13/04/2013. Nicolas Peixoto.